O nome dela podia ser um verbo: Ir

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O nome dela podia ser um verbo: Ir
Ao teatro, à cidade, para cima de um palco e vida fora: Viviana, que adora aceitar desafios, abraçou o Primeira Vez com toda a sua energia.

Catarina Homem Marques

“O meu nome é ‘bora.” E esta afirmação não podia soar mais verdadeira na boca de Viviana Reis, 41 anos. Foi assim até para encontrar um sítio para a entrevista: primeiro era numa casa para onde afinal não deu para ir, depois era num café que estava quase a fechar, noutro café que estava demasiado cheio, e Viviana seguiu para todas as hipóteses a sorrir. “Adoro esta cidade.”
Foi também neste espírito de “‘bora” que chegou ao Primeira Vez, contou quando finalmente se encontrou uma mesa e cadeiras para a conversa. Já nem se lembra bem como, mas estava na cama, a saltar de coisa em coisa no Google, e de alguma forma lá foi parar à página do projeto. E, claro, como é habitual nela, entusiasmou-se de tal forma que passado uns minutos já tinha mandado a informação aos amigos todos.

“O projeto já tem vários clientes da minha parte”, brinca. Mas é verdade: “Já vai o meu primo também, a minha tia. Houve um espetáculo em que trouxe umas 20 pessoas da turma de dança. Eu inscrevi-me logo com a minha irmã. Fomos ver o ‘Sopro’. Adorei logo a sala, a peça, tudo tão lindo. Nem estava a entender como é que nunca tinha ido ao Teatro Nacional D. Maria II. Se calhar tinha o preconceito de ser muito intelectualizado, que só desmontei com o Primeira Vez. E nunca mais parei de ir.”

Viviana não é sequer de Lisboa. Vive, sempre viveu, em Cardosas, e trabalha como psicóloga no hospital de Arruda dos Vinhos. “Adoro o meu trabalho. A unidade de cuidados continuados, onde estou, é um sítio onde estão internadas pessoas como nós, mas que tiveram algum tipo de acidente, um imprevisto. O objetivo é que recuperem e sejam devolvidas à sua autonomia. Há lá pessoas muito entristecidas. Deparo-me bastante com envelhecimento mas também com pessoas que até ontem tinham uma vida parecida com a nossa e hoje lutam para irem sozinhas à casa de banho.

O plano não era este quando foi estudar psicologia. Era mais fazer clínica privada. Na verdade, até o plano da psicologia surgiu tarde. O impulso inicial era mais artístico. “Quando era pequena, havia um grupo de teatro amador em Cardosas, um grupo recreativo, e eu fazia parte e adorava. Já queria ir para o conservatório, os meus pais é que disseram que me deserdavam.” Mas os planos são os planos, e a vida é outra coisa, como Viviana sabe e vê todos os dias no trabalho.

“Aquilo que faço dá-me sobretudo um sentimento de gratidão pela vida que tenho. Às vezes até alguma ansiedade por sentir que tenho de aproveitar ao máximo, porque sei bem que de um dia para o outro me pode acontecer qualquer coisa. Tenho sempre muita consciência da vida, da morte, do hoje e do amanhã.”

É também por isso que, apesar de acordar todos os dias com a vida de campo a entrar-lhe pela janela, acaba por ir até Lisboa cerca de três vezes por semana: “Vou visitar a minha irmã, tenho aulas de dança contemporânea no Chiado, vou a clubes de leitura, vou ver espetáculos… em Cardosas não há tantas coisas para fazer.” Em suma, não trocava os cavalos que vê logo ao acordar, mas “o nome é ‘bora”, e Viviana vai sempre à procura de mais.

Se encontrou na psicologia “uma forma de ir ajudando a mudar o mundo das pessoas”, encontrou no Primeira Vez, e no posterior desenvolvimento para as atividades do clube Somos Todos Espetadores, uma forma de ir mudando o próprio mundo. “Sou solteira, não tenho nenhuma responsabilidade objetiva, tenho um bom horário de trabalho – consigo gerir a minha vida à minha vontade e dedicar-me a estas atividades culturais, que na verdade são também sociais.”

Seja teatro de revista, espetáculos de dança, peças no Teatro Nacional D. Maria II ou noutras salas, sempre que surge mais um desafio da equipa do Primeira Vez e do clube Somos Todos Espetadores já nem é preciso dizer qual é a resposta: ‘bora. “As propostas que eles mandam já têm um selo de qualidade, e têm este lado de integração, de grupo, que me agrada. E é um grupo tão heterogéneo, tão interessante.”

Viviana foi fiel ao seu espírito de entrega até quando surgiu o desafio mais inesperado, aquele que acabou por formar um círculo completo na sua vida: a proposta para participar, em palco, no coro falado da peça “Madalena”, de Sara de Castro. “Participei com ouras pessoas do projeto, porque eles precisavam de não-profissionais. Ficámos ainda mais próximos, ainda com mais vontade de fazer coisas juntos. Fui com receio, mas subi ao palco do D. Maria II perante salas cheias. Foi tão maravilhoso ter aquela experiência. No dia da estreia, disse aos meus colegas: se morrer agora, morro feliz.” Quer dizer, isso se Viviana não tivesse ainda tantos outros sítios para onde quer ir e tantas outras coisas que ainda quer fazer.



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